Sobre o Projeto
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1 - A Génese do Projeto Murtosa Ciclável
Para descrever a motivação, as características e os impactos do projeto Murtosa Ciclável, temos que começar por caracterizar o território do Município da Murtosa, pois a sua singularidade explica e justifica a estratégia preconizada por aquele (projeto).O Concelho da Murtosa situa-se, na faixa litoral centro, em pleno coração da Ria de Aveiro, numa área de enorme riqueza paisagística e ambiental, uma das mais importantes zonas húmidas da Península Ibérica e da Europa. É o concelho mais plano de Portugal, sem elevações relevantes, fator que, aliado às curtas distâncias entre os principais núcleos urbanos, potencia, desde há muito, a utilização da bicicleta como meio transporte, que aqui atinge uma expressão sem paralelo no território nacional.
A relação ancestral entre a terra, o homem e o elemento água está bem patente naquelas que foram e ainda são as principais actividades económicas: a agricultura e, naturalmente, a pesca.
A localização geográfica do Município da Murtosa faz com que, sobre ele, incidam numerosas servidões administrativas, com destaque para a ZPE da Ria de Aveiro (82% do território) e para a Reserva Ecológica (80% do território), aliadas ao Domínio Público Marítimo e à Reserva Agricola, entre outras.
A esse factor junta-se o facto do território Murtoseiro representar uma descontinuidade no litoral português, por via da existência da barra do Porto de Aveiro, a sul, o que faz com que a acessibilidade rodoviária principal ao concelho se faça maioritariamente pelo Município de Estarreja, a nascente, onde passam todas as grandes vias de comunicação relevantes (caminho de ferro, A1, A29, EN 109 e IC2/N1).
Com água a sul e a poente, o território da Murtosa é, pois, periférico aos grandes eixos, apesar de se localizar na faixa litoral. Diz-se, com fundamento e propriedade, que não se “passa pela Murtosa”, mas “vem-se à Murtosa”.
Perante os condicionalismos atrás descritos, o Município deparou-se com a necessidade de mudar o seu paradigma de desenvolvimento, pois não podia alicerçá-lo no chamado “crescimento de beira de estrada”, que caracterizou a estratégia de outros territórios vizinhos, atravessados pelas grandes vias de comunicação.
Urgia transformar os aparentes CONSTRANGIMENTOS em OPORTUNIDADES de desenvolvimento. A estratégia de desenvolvimento passava pois pela valorização do território, o mesmo que, pelas razões já aduzidas, tinha passado ao lado de um certo modelo “massificado” de progresso, a que tinha assistido, nas últimas décadas quase todo o litoral português, e, com isso, tinha permanecido incólume e capaz de oferecer o que noutras áreas já não era possível.
Este novo paradigma de desenvolvimento devia responder, de modo evidente, a um conjunto de desafios: valorização dos recursos endógenos, materiais e imateriais do território, aposta no ecoturismo, incremento da atratividade do território e da qualidade de vida dos cidadãos e potenciação da economia local e da sustentabilidade do território.
Faltava apenas identificar o elemento diferenciador, agregador e catalizador da desejada nova estratégia. A resposta, dadas as características do Concelho da Murtosa, estava, de forma simples e evidente, na BICICLETA.
A bicicleta apresentava-se como o elemento central de uma estratégia, que assentava em dois pilares fundamentais: por um lado a valorização deste veículo como meio de transporte, numa perspetiva de mobilidade urbana: suave, ecológico, não poluente, amigo da saúde e, naturalmente, da economia; por outro lado, como veículo privilegiado para a descoberta e valorização do património natural e cultural.
Nascia o Projeto “Murtosa Ciclável”.
Aos dois grandes eixos do projeto, foram associados dois grandes objetivos estratégicos: Intensificar a utilização da bicicleta como meio de transporte principal, captando as faixas etárias da população que habitualmente utilizam o automóvel; Promover a valorização da bicicleta como motor estratégico de desenvolvimento do território, do ponto de vista económico, social, cultural e ambiental.
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2 - A rede ciclável do Município da Murtosa
No Concelho que, em Portugal, apresenta a maior taxa de utilização da bicicleta como meio de transporte (17%, contra uma média nacional que não chega a 1%), o projecto Murtosa Ciclável assenta em dois grandes eixos estratégicos de promoção da bicicleta: por um lado, numa perspetiva de mobilidade urbana, como meio de transporte suave, amigo do ambiente, da saúde e da economia e, por outro lado, como um veículo privilegiado para a descoberta do extraordinário património natural e cultural do Concelho, situado em pleno coração da Ria de Aveiro.
Nestes pressupostos, o desenvolvimento do projeto, ao nível físico - paralela e complementarmente à componente imaterial - tem tido em conta estas duas vertentes – mobilidade e fruição – consubstanciado na materialização de ciclovias urbanas e ecovias de fruição. Num território com as características da Murtosa, estas definições não são estanques, na medida em que muitas das ciclovias com perfil urbano passam por áreas de grande interesse natural, assim como algumas das ecovias permitem, de igual modo, o acesso às zonas urbanas.
Actualmente, a rede de ciclovias urbanas possui uma extensão de cerca de 30km, enquanto que a rede de fruição se estende por 20km, totalizando cerca de 50km de vias cicláveis.
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3 - A Bicicleta e as Pessoas
As pessoas são naturalmente, o foco do Projeto “Murtosa Ciclável”. Como já foi referido, a Murtosa possuía um histórico de utilização de bicicleta muito significativo, principalmente nas faixas etárias mais jovens e nas pessoas de idade mais avançada. Um dos grandes objetivos do projeto visava, e visa, precisamente, a intensificação do uso da bicicleta por parte das pessoas em idade activa que, por norma, utilizam mais o automóvel.
A Projeto “Murtosa Ciclável” procurou, desde a sua génese, estar direccionado para pessoas, tendo sempre presente uma perspetiva inclusiva, por parte dos cidadãos. A população tem sido chamada a participar, ativamente, no processo de reflexão, conceção e materialização do projeto. Exemplos dessa abordagem são, por exemplo, os Fóruns Murtosa Ciclável, com periodicidade anual que se assumem com espaços abertos aos cidadãos, onde tem vindo a ser discutida a evolução do estratégia municipal de mobilidade sustentável, ou os workshops levados a cabo junto dos alunos das escolas do Município, colocando os mais jovens a discutir estratégias e acções tendentes à melhoria da mobilidade na sua Terra.
Como todas as coisas simples, o incremento da utilização da bicicleta não se faz por obrigação ou por imposição. O uso da bicicleta deve ser, antes de mais, um prazer.. Neste pressuposto, a Autarquia tem promovido uma série de eventos cicláveis, que visam fomentar o gosto pela bicicleta, com destaque para a Primavera Ciclável, e para a Volta ao Município da Murtosa em Bicicleta. Importa referir que as Associações e Coletividades locais têm sido um motor fundamental nesta estratégia, promovendo, elas próprias um número significativo de acções, que envolvem, por norma, centenas de participantes, evidenciando a adesão dos cidadãos àquele que é, sem dúvida, um dos grandes paradigmas de desenvolvimento local.
Tendo em vista a materialização da componente de conhecimento e valorização do património, foi criado, em 2008, o percurso nascente do NaturRia, entre a Ponte da Varela e o Cais do Bico. Desde então têm vindo a ser abertos, anualmente novos troços. O NaturRia – percursos visitáveis da natureza, é um projecto que visa dar a conhecer, de forma intuitiva e simples, a riqueza natural e cultural do Concelho da Murtosa, através de percursos sinalizados, com zonas de informação e descanso, implantadas em locais relevantes, ao longo das margens da Ria.
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4 - A Bicicleta e a Economia
3. A BICICLETA E A ECONOMIA
Com atrás já foi referenciado, o projeto Murtosa Ciclável assumiu-se, desde o início, com um fator estratégico de desenvolvimento do território, catalizador de novas oportunidades de negócio ligadas à bicicleta, de forma direta e indireta. O projeto impulsionou o aparecimento de microempresas, muitas de raiz familiar e o crescimento das já existentes, em particular no domínio dos serviços.
Impacto do projeto ao nível do território
Tendo em consideração que o projeto tem como ponto de partida a valorização do território, os impactos neste são extremamente positivos e evidentes, como, de seguida se explana.
Espaço Público
Subordinada à estratégia de tornar o espaço público mais amigável para os cidadãos, a implementação física do projeto tem contribuído de forma significativa para a melhoria da imagem e da funcionalidade dos espaços de circulação, com o aumento significativo de áreas pedonais e de vias cicláveis. O projeto potenciou a reabilitação de um conjunto de áreas nobres do Concelho, de que são exemplos a Avenida da Cidade de Newark, a Avenida do Emigrante, o Parque Municipal da Saldida, Avenida da Circunvalação, Marginal da Ria e do Mar, entre muitas outras.
Ambiente
A bicicleta é, sem qualquer dúvida, o meio de transporte mais amigo do ambiente. Do incremento do uso da bicicleta, em detrimento do transporte automóvel, resulta, inevitavelmente, uma melhoria substancial da qualidade ambiental do território, com reflexos, igualmente, na fluidez da circulação nas principais vias de comunicação. Esta realidade é particularmente evidente na Murtosa.
Recursos Naturais
Estando a Murtosa no coração da Ria de Aveiro, o projeto tem vindo a proporcional a reabilitação de um conjunto de áreas de grande riqueza paisagística e ambiental, com ênfase nas áreas ribeirinhas. As intervenções têm como objetivo a proteção do ecossistema, proporcionando condições de visitação sustentáveis e contribuindo, dessa forma, para o seu conhecimento por parte dos cidadãos. São exemplos desta estratégia a construção de mais de 30km de ecovias, que bordejam a laguna. Associados a estes percursos, foram construídos o Centro de Educação Ambiental da Ribeira de Pardelhas, na Freguesia da Murtosa (percurso nascente) e o Centro de Educação da Praia da Torreira (percurso poente). Estes espaços servem de base a ações de sensibilização e educação ambiental.
Impacto do projeto ao nível da economia
O impacto económico do projeto, de forma sensível por parte dos cidadãos, foi, desde o início, uma das premissas da sua estratégia de implementação. A consolidação da Murtosa como um território bike friendly, por via da infraestruturação, já referida no ponto anterior, associada a uma estratégia de promoção e divulgação das potencialidades locais, incrementou a visibilidade do Concelho a nível regional e nacional, trazendo, por via disso, um aumento exponencial dos visitantes, criando, desta forma, massa crítica para o desenvolvimento de um conjunto de serviços, associados à bicicleta, em particular no domínio da fruição.
O aumento do número de turistas cicláveis e amantes do turismo da natureza, resultou, desde logo, num aumento da procura dos estabelecimentos hoteleiros e na restauração e similares. Fomentou, de igual modo, o empreendorismo jovem, associado à potenciação dos recursos do território. São disso exemplo as empresas de marítimo-turística, com passeios na Ria de Aveiro, em embarcações tradicionais, as empresas que apostam na implementação de actividades de lazer, para famílias e grupos, como passeios de bicicleta e a cavalo, birdwatching e prática de kitesurf, vela ou padlesurf na Ria de Aveiro.
De uma forma directamente ligada ao incremento da utilização da bicicleta, ao nível local, regista-se o aparecimento de empresas, mais uma vez de raiz familiar, de comercialização e reparação de bicicletas.
Registe-se, igualmente, o impacto extraordinário resultante do acolhimento, na Murtosa, de grande eventos internacionais ligados à bicicleta, de que são exemplo o Congresso Ibérico “A Bicicleta e a Cidade”, em 2012, que trouxe até nós mais de 150 espanhois e, em 2014, a Semana Europeia de Cicloturismo, que congregou mais de 1300 cicloturistas, vindos de vários países da Europa.
Impacto social
Conforme foi já descrito, este projeto foi pensado para e com as pessoas, sendo, por isso, os cidadãos os maiores beneficiários e, ao mesmo tempo, construtores. O primeiro grande impacto positivo do projecto, ao nível da comunidade, foi o incremento do sentimento de pertença e de auto-estima, na medida em que a bicicleta se apresenta aglutinador e acessível a todos os cidadãos, numa estratégia na qual todos se sentem incluídos.
Segundo os Censos 2011, a Murtosa é o Município em Portugal com maior taxa de utilização da bicicleta como meio, efectivo de transporte, com uma percentagem de 17%, quando a média nacional não atinge, sequer, o 1%. Esta percentagem é ainda mais expressiva nas camadas mais jovens, pois cerca de 80% dos alunos das escolas do Concelho deslocam-se de bicicleta para as aulas.
Sendo certo que a Murtosa já tinha, antes do projeto, um elevado histórico de utilização, em abono da verdade, uma das consequências da “Murtosa Ciclável” é o aumento, efetivo, do número de utilizadores da bicicleta, em detrimento do transporte individual. Naturalmente que este facto contribui, de forma decisiva, para o bem-estar da população e para a adoção de hábitos saudáveis e sustentáveis.
Refira-se, igualmente, que o reconhecimento contínuo e crescente que a Murtosa tem vindo a registar no domínio da mobilidade ciclável, quer a nível nacional, quer a nível internacional, apontando o projeto como um autêntico “caso de estudo”, tem possibilitado uma afirmação e uma divulgação do território, que, de outra forma, face à dimensão do mesmo, não seria possível.
Esta Cultura da Bicicleta têm-se intensificado, desde 2007, num autêntico efeito “bola de neve”, com o aparecimento de um conjunto de iniciativas, ligadas à bicicleta, levadas a cabo pelas associações locais, que, para além de promoverem o gosto pelo uso da bicicleta, potenciam, acima de tudo, o são convívio entre os cidadãos, fortalecendo laços e incrementando o sentimento de comunidade